domingo, 26 de setembro de 2010

Indo para a escola


É tudo novidade, adorei minha roupa nova, é um vestidinho xadrez azul e branco, tem um chapeuzinho bacana, uma bolsinha pendurada de lado e estou de congas* vermelhas.

Pra onde será que vou? Uma festa, um passeio? Mami disse que vou gostar. Estou curiosa e animada.

Fomos a pé, de longe eu avistei o parquinho de ferro colorido, um monte de desenhos nos muros... Mas, há muitos muros! E cercas de treliça pintadas de azul escuro. Estranho!

Chegamos e eu só vejo adultos para o lado de fora deste enorme portão, as crianças entram sozinhas, que absurdo! 

Minha mãe me dá um beijo na testa, me dá a mão para uma senhora de cara feia. Peraí, eu não vou a lugar nenhum assim, a força!

Me esperneio, choro, esbravejo, abro minhas pernas e seguro com os dois pés no batente da porta: “Socorro! Mããe!!!” Aparecem duas outras mulheres, uma delas tem um olhar mais doce, será que posso confiar? Cadê minha mãe? Elas me pegam pelos braços, me arrancam da porta, me levam para sala de D. Helena.

Fiquei sabendo logo o que era a escola e quem era a diretora, pois passei os próximos 5 dias na sala dela, D. Helena era bem mansa, boa de coração, deixava eu brincar com um calendário de mesa que virava as folhinhas diárias.

Eu olhava as demais crianças lá fora, tomando lanche, brincando de correr, olhava pelos buracos do biombo treliçado de madeira, as via com massinhas nas mãos. Como eu gostava de massinha! Mas o medo que senti era muito maior!

Não me lembro bem como foi, só sei que chorei muito para entrar neste novo mundo, que pra mim era assustador, um dia nem sei como, estava na sala de aula, longe da minha protetora, D. Helena, brincando com os demais.

Tenho algumas cenas gravadas na memória, tinha uma menina, seu nome é Maria, na fila, em ordem de altura, ela sempre ficava atrás de mim, e como beliscava meus ombros! Eu nunca tive iniciativa para resolver esta situação, ah se fosse hoje! Teria dado um jeito dela parar.

Outro dia eu estava correndo do parque para o banheiro, pois queria fazer logo o que precisava e voltar imediatamente para brincar, virei rápido uma curva e dei um baita encontrão de cabeça com outra criança... Minha próxima lembrança é que eu estava sentada numa cadeirinha, num canto da sala de aula, de castigo por ter corrido no pátio e segurando um gelo embrulhado num papel chupão para abaixar o galão que fiz na testa.

Eu sempre gostei das tintas, adoro pintar até hoje, mas na escola no Jardim de Infância não, porque tínhamos que pintar a folha pregada num cavalete, a tinta era aguada, tudo o que eu pintava escorria e ficava borrado. Ninguém via que aquilo era perda de tempo, o resultado ficava horrível!

Comilona sempre fui, que alegria foi o dia em que a professora fez um purê de batatas, nos deu uma bolinha do purê para brincarmos como se fosse massinha, acho que foi uma atividade relacionada ao dia do índio, e eu doida pra comer. Fiz um bonequinho e fiquei esperando a hora em que ela nos autorizaria devorar a massa. Que decepção: a massa foi feita de batata doce, ficou ridiculamente ruim!

Mas eu gostava da escola mesmo assim. Lá eu fiz amigos, passei horas importantes e divertidas da minha infância, gostei tanto que até hoje não saí daqui, trabalho na direção e nunca me esqueço destes momentos ruins, quando vejo meus alunos em apuros. É uma parte muito marcante da minha existência: a escola.    

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Que bebê é esse?

Mamãe admirava seu novo bebê dormindo no berço, como era calma, dormia como um anjo, nem gemia, quase não se percebia que a casa estava habitada por um novo membro.


Papai chegou, abriu o portãozinho de ferro, cheio de arabescos, pintado de branco, olhou para o jardim onde já floriam as flores da primavera que estava por chegar. Havia uma nova rosa, branca, repolhuda a se desabrochar. Olhou para a fachada da casa, demorou-se por uns segundos, passou um rápido filme em sua mente.

Ele que tinha vindo do interior de São Paulo, seus pais roceiros, analfabetos, sua infância pobre e feliz, jogando bola no campinho de terra vermelha, descalço, quase sentiu aquela brisa quente do final das tardes de calor daquele tempo. Só ele sabia o quanto havia se esforçado pra chegar até aqui, os dias trabalhados na roça, as noites dormindo sobre os livros no supletivo noturno, as tardes de domingo como coroinha das missas do padre José. Quando chegou à São Paulo então, quanto medo, insegurança, solidão, mas houve muita luta, estudo, trabalho, um concurso público bem sucedido e o futuro casamento estaria próximo. Agora, casado, olhava para a fachada desta casa sabendo que sua esposa e filha estão lá dentro lhe esperando.

Sacudiu a cabeça, acordando pra vida, e caminhou calmamente como sempre, até adentrar pela porta da sala. Que casa impecável! Sua mulher era caprichosa mesmo, como pôde manter a casa em ordem sozinha, com uma bebê de dias para cuidar? Papai morreria sem chegar a entender o impecável mundo de Laís, onde tudo tinha seu lugar definido, era muito limpo, organizado e perfumado.

Assobiou, um assobio próprio que claramente queria dizer: “Vem aqui, vem aqui!” De dentro do único quarto da casa, onde todos os três dormiam pertinho um do outro, mamãe fez: “Chiiiiiiiiiiii! Renata está dormindo!” – sussurrando.

Papi colocou a pasta de trabalho no chão, descalçou seus sapatos, entrou no quanto desafrouxando a gravata. Um beijo na testa de mami e um olhar de admiração para sua linda bebê. Ficou ali por alguns segundinhos e olhando nos lindos olhos azuis de Laís perguntou: “Ela chorou?”.

- Não! Ela nunca chora! – contou minha mãe, admirada.

- Como pode? Nunca ouvi o choro desta menina, será que há algo de errado? – e sem que mamãe pudesse impedi-lo, pegou-me no colo e deu uma sacudidela com muito carinho e desespero para ouvir meu choro. Para seu alívio, chorei, um choro baixinho, manso, de boneca.

Seria economia de choro, para o futuro, onde tantas lágrimas eu derramaria? Seria medo de acordar, pois como que num pressentimento, eu saberia o que estaria por vir?

Que bebê é esse que vive como se não vivesse, é como se plainasse pelo ambiente, não dando trabalho, não exigindo nada, só absorvendo o carinho e amor que sua família lhe dedicavam. As idas e vindas ao mundo espiritual poderiam lhe trazer algum preparo? Penso nisso a minha vida inteira!



 

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Nasceu Renata!

Inicio minha “contação” por meu nascimento, não haveria de iniciar por outro canto desta história.

Meus pais se conheceram no Carnaval, quando meu pai teve sua folga do seminário para padres. Isso mesmo, meu pai estudava para entrar para esta categoria. Deve ter sido a mão do destino, se preferir chame de mãos de DEUS, que fez isso de maneira um pouco caprichosa, mas sem dúvida, é o divino se manifestando em minha vida, mesmo antes de eu existir.

Papai e mamãe namoraram uns 5 anos enquanto minha mãe morava no Jaçanã, em São Paulo, e meu pai em São Caetano do Sul, se casaram, fizeram a vida em São Bernardo do Campo.

Longe da família, meus pais trataram de arrumar um bebê logo no 2º ano de casamento, meu pai era oficial de justiça e minha mãe não trabalhava fora de casa, o que a fazia sentir-se só o dia todo. Sei que a solidão judiou dela nestes tempos, que chorou e se desesperou antes de engravidar. Não sei porque, quando falo nisso parece que sinto profundamente a mesma sensação que ela pode ter experimentado naqueles dias, sinto o mesmo aperto no peito que já fez parte da minha vida por tantas vezes e até os dias atuais de vez em quando aparece.

Minha mãe descobriu que estava grávida de mim também no Carnaval, pode ser daí que vem minha animação e interesse incondicional por dançar. Ela passou mal no baile, toda fantasiada, olha só que interessante.

Foi uma gravidez muito difícil, ela passou mal por toda a gestação, nada parava no seu estômago, meu pai aprendeu e acostumou levar café preto na cama, e o fez todos os dias até o último de sua vida.

Mesmo sem poder comer, minha mãezinha engordou pelo menos 25 quilos, sofreu mesmo. Certo dia, um belo copo de leite quente caiu em sua barriga, eu acabei nascendo com uma mancha derramada no bumbum, é engraçado!

No dia 10 de setembro, dia de seu próprio aniversário, ela começou o trabalho de parto, uma alegria, ter um filho num dia tão especial. Mas eu parecia não querer nascer, foram mais de 24 horas de dores e nada! Decidiu-se fazer fórceps, tenho as marcas na cabeça até hoje.

“Nasceu Renata, filha de Tárcio, oficial da 4ª vara do fórum desta comarca e D. Laís. Em 11 de setembro de 1969”. Este foi o anúncio que meu pai mandou publicar no jornal da cidade. Quanto orgulho!